Por
Erika
Juliana Dmitruk
Professora do
Departamento de Direito Público da UEL
Na madrugada de 02 de julho de 2015 crimes
aconteceram na Câmara dos Deputados e deixaram duas vítimas feridas de morte –
a frágil Democracia (que está entre vida e morte) e a juventude brasileira (que,
mesmo resistindo a duros golpes ,recebe este como mais um para sua pauta de
luta).
Neste texto quero falar da primeira vítima, a
democracia. Digo que a primeira vítima é a que se encontra em estado mais
grave, e se cuidarmos de sua saúde agora, sendo ela recuperada, ainda temos
três turnos para discutir com seriedade os assuntos relevantes para o Brasil,
entre eles, a PEC 171/93.
A votação de 01 e 02 de julho de 2015 da Câmara
dos Deputados ocorreu a portas fechadas. Com polícia evitando a entrada de civis,
mesmo diante de decisão do que, em 22 de junho de 2015, garantiu o acesso de
estudantes a recintos abertos ao público na Câmara de Deputados para acompanhar
as votações referentes a PEC 171/1993 (essa decisão foi dada no HC 128883). A
necessidade de um habeas corpus para adentrar aos recintos abertos ao público
da Câmara de Deputados é por si só um sintoma da agonia democrática.
Não sendo suficiente isso, as portas vedadas, o
uso interno de gás de pimenta (30/06/2015 e 07/04/2015 na Câmara dos Deputados,
apenas nas discussões e votação da PEC 171/93), demonstra que este legislativo
que aí se encontra é totalmente avesso ao debate, e que suas pautas
encontram-se decididas por outras instâncias que não o povo.
Da nossa Constituição, dois dispositivos foram
jurados de morte (um deles já havia recebido o mesmo golpe na votação da
Reforma Política), Deixe-me explicar.
O artigo 60 da Constituição veda a proposta de
emenda constitucional que tenda a abolir os direitos e garantias individuais, e
também que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por
prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
(Hoje vou tratar da segunda vítima, o tema da redução da maioridade penal
merece uma análise própria e em outra oportunidade farei.)
Fazendo um parênteses, a Constituição utiliza a
técnica da vedação de alteração de cláusulas constitucionais não só que
suprimam direitos e garantias, mas também das que sinalizam que irão, ao longo
do tempo, abolir direitos e garantias. Sabe por que? Justamente para garantir
que o núcleo da Constituição, amplamente debatido e decidido, em uma Assembleia
Constitucional (que foi formada exclusivamente para isso - escrever a
Constituição) não seja objeto de ataque de maiorias instáveis (hoje bastante
representativas de apenas 3 setores da sociedade). Segundo esse postulado,
mesmo que estivéssemos passando por tempos de instabilidade (ditatura, golpe,
estado de sítio, invasão inimiga), os direitos e garantias fundamentais (entre
outros) não seriam atacados.
Com relação a segunda vedação, o esclarecimento
é esse: a sessão legislativa é o período anual de reunião do Congresso
Nacional, com início em 02 de fevereiro e recesso a partir de 17 de julho, com
retorno em 01 de agosto, encerrando-se em 22 de dezembro.
A vedação de reapresentação de emendas
constitucionais no mesmo período, ou seja, na mesma legislatura (um ano),
também visa garantir que a apreciação das matérias que alteram o conteúdo da
Constituição (as Emendas Constitucionais) seja feita de maneira não passional,
não reapresentada em curto período (e acredito que ninguém antes haveria
imaginado um curto período de menos de 24 horas) para evitar-se justamente toda
sorte de manobras tendentes a realizar uma alteração neste texto que foi
alcançado de forma democrática. Uma sessão legislativa alteraria o cenário e
poderia fazer com que o texto fosse apreciado novamente em outra conjuntura,
que os argumentos verdadeiros e não emotivos fossem averiguados, levando a uma
melhor análise da necessidade de sua perenidade.
Não importa a nomenclatura utilizada – emenda
de aglutinativa –, ou que esteja no Regimento Interno da Câmara. Toda
legislação infraconstitucional deverá ser analisada a partir da Constituição,
ela é o fundamento da República Federativa do Brasil. Por falta de espaço não
poderei comentar a decisão da ministra Rosa Weber (MS 33630 DF, Reforma
Política), mas vale a pena conferir.
Outrossim, vinte votos foram alterados em menos
de 24 horas. Vinte deputados tiveram algum tipo de epifania, ou foram pagos, ou
foram ameaçados. Sendo estas as únicas possibilidades, conseguimos entender
porque uma proposta de Emenda Constitucional não pode ser votada duas vezes em
uma mesma legislatura. Se foram pagos, trata-se de corrupção (e essa mudança
não é válida), e se foram ameaçados, suas vontades estavam viciadas no momento
(e essa mudança não é válida).
De qualquer forma, deputado que alterou voto
porque foi ameaçado por Cunha não é digno de ser deputado. Todas as garantias
que sua recebe, desde, inclusive, as imunidades, foram pensadas justamente para
que não precisasse nunca mais se dobrar a um poder ditatorial (basta lembrar o
contexto de aprovação da Constituição Federal). Todas as justificativas dadas
são ataques à democracia.
Se recuperarmos a democracia, o que aconteceu
com a Reforma Política e com a Redução da Maioridade Penal não se repetirá, e
esses temas relevantíssimos receberão as discussões sérias que merecem.
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